MET-MOCI

5 Dez

METODOLOGIA PARA MOBILIZAÇÃO COLETIVA E INDIVIDUAL

Resumo

Há diferentes perspectivas da extensão universitária, aqueles que entendem como uma via de mão única, cabendo à Universidade derramar o seu “saber” na comunidade, enquanto outros a consideram numa visão dialética, de trocas mútuas entre o “saber científico” e o “saber popular”. Na Metodologia para Mobilização Coletiva e Individual – Met-MOCI a extensão passa a ter uma postura mais chegada da realidade, através da qual professores e estudantes teriam a possibilidade de trocar conhecimentos e experiências, e descobrir novos espaços educativos. O estudante passa a ser considerado agente articulador junto aos setores sociais interessados para concretização de ações para promoção social, trabalhando cinco eixos, a saber: Saúde, Educação, Produção, Organização e Cultura, sendo este último o elo entre os demais. A Met-MOCI é o marco teórico de projetos como Jornexu (Jornada Nacional de Extensão Universitária), Experiência vivenciada por estudantes universitários das mais diversas áreas do conhecimento através de Estágios de vivência em Comunidades (colônias de pescadores, assentamentos rurais, localidades periféricas, aldeias indígenas) no Estado da Paraíba. A Metodologia aparece neste cenário complexo de propositura ativa de novas alternativas para a discussão, sistematização, avaliação e aplicação da Extensão Universitária, como novo modelo de compreensão da realidade Universitária e Social concretizando o laço ensino-pesquisa-extensão.

Introdução

No âmbito acadêmico-universitário, a extensão é vista como um dos três pilares da Universidade e, como tal, seu papel deve ser analisado considerando-a interligada com as outras duas dimensões: o ensino e a pesquisa. Ou seja, compete à Universidade transmitir (ensino), produzir (pesquisa) e aplicar (extensão) conhecimentos, estando estas três dimensões dialeticamente relacionadas. Apesar de ser inferiorizada no contexto acadêmico, a intensa atividade de extensão universitária gera discussões nacionais acerca de sua importância como eixo articulador do ensino e da pesquisa. (Fórum Nacional de Pró – Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, 2001)

As experiências extensionistas têm se efetivado a partir de diferentes perspectivas. Há aqueles que entendem a extensão como uma via de mão única, cabendo à Universidade derramar o seu “saber” na comunidade, enquanto outros a consideram numa visão dialética, de trocas mútuas entre o “saber científico” e o “saber popular”. Essas atividades propõem uma nova forma de pensar a Universidade, que não dissociada da realidade a qual está inserida, além de contribuir para a quebra de paradigmas, trazendo temáticas como a transdisciplinaridade e a Educação Popular para o cenário das discussões, como aponta Melo Neto (2004): “a extensão precisa ter uma formulação que aponte caminhos para construção da hegemonia de classe e, sobretudo, de uma nova cultura para a classe trabalhadora”.

Neste modelo, a extensão passa a ter uma postura diferente, mais chegada da realidade, através da qual professores e estudantes teriam a possibilidade de trocar conhecimentos e experiências, e descobrir novos espaços educativos. O estudante passa a ser considerado agente articulador junto aos setores sociais interessados para concretização de ações para promoção social. Assim, a Universidade Federal da Paraíba, através do Programa Interdisciplinar de Ação Comunitária – PIAC, da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da UFPB, desde o ano de 1990, vinha buscando alternativas de inclusão social das classes menos favorecidas.

A partir desta prática, desenvolveu-se uma nova metodologia de abordagem de Projetos em Comunidades, intitulado de Metodologia para Mobilização Coletiva e Individual, Met-MOCI.

A referida Metodologia objetiva essencialmente proporcionar uma visão caleidoscópica e, portanto, adota o referencial da teoria da complexidade a qual considera de forma integrada as diversas ciências, evitando deste modo, as “cabeças bem cheias”, onde a percepção é fragmentada, e fazendo “cabeças bem feitas” através de conhecimento cada vez mais transversal e transdisciplinar. Neste sentido, o homem é visto de forma global, considerando suas múltiplas dimensões – física biológica e antropo-social. Por isso, a Metodologia incentiva um olhar crítico sobre a comunidade, percebendo os diversos fatores que geram a contextualização perene dos processos aos quais estão submetidos os indivíduos que compõem os grupos sociais. Aspectos culturais, ambientais, econômicos, políticos, sociais, geográficos e históricos são analisados neste processo de diagnóstico para compreensão da realidade social da comunidade.

Objetiva ainda a construção coletiva de meios para a evolução organizacional de uma determinada localidade, passando do senso comum para a criticidade, de acordo com o nível de participação destes atores no seu processo de desenvolvimento.

Na proposta da Metodologia, é importante a propositura de uma nova relação: ver-julgar-agir, sempre na perspectiva de não desperdiçar a experiência vivenciada tanto pelo acadêmico, que carrega valores e concepções de mundo, assim como os valores e concepções da comunidade no seu processo histórico-cultural de apropriação da realidade. Dialoga, portanto, com a concepção de intelectualidade proposta por Antônio Gramsci:

O problema da criação de uma nova camada intelectual, portanto, consiste em elaborar criticamente a atividade intelectual que existe em cada um em determinado grau de desenvolvimento, (…), enquanto elemento de uma atividade prática geral, que inova continuadamente o mundo físico e social, torne-se o fundamento de uma nova e integral concepção de mundo. (GRAMSCI, 1978)

A metodologia transforma-se paulatinamente na vivência das comunidades: Sempre privilegiando a auto-análise e o planejamento participativo junto ao planejamento estratégico. Esse mecanismo pendular de discussão institucional e comunitária torna mais efetiva a possibilidade de ações integradas, qualquer que seja a localidade da comunidade, na resolução das demandas dos problemas da comunidade, e na difusão de uma nova atuação e interação entre Estado, Sociedade Civil e Mercado.

Metodologia

A Met – MOCI trabalha cinco eixos, a saber: Saúde, Educação, Produção, Organização e Cultura, sendo este último o elo entre os demais. Tais eixos são analisados a partir da vivência na própria comunidade, onde processo de transformação da realidade ocorre através do protagonismo dos atores sociais envolvidos, na contramão dos processos costumeiramente estabelecidos nas comunidades, com uma visão assistencialista e verticalizada. Passemos a falar sucintamente sobre cada um.

SAÚDE

No eixo atinente à Saúde a metodologia proposta é fundamentalmente diferente da tradicional visão “hospitalocêntrica”. Tal visão elimina o conceito de Saúde como uma condição de bem-estar físico e antropo-social, e acaba entendendo o indivíduo na proposição patologia => medicamento. Diante disso, esquece do processo cultural específico da comunidade. A realidade da Saúde deve estar integrada a um conjunto de situações sociais condicionantes e percebida como integração de demandas bio, psico e antropo-social.

EDUCAÇÃO

No eixo de Educativo, foge-se da concepção de Educação Formal. A interação entre os saberes popular e científico, numa perspectiva dialógica e dialética, gera tanto para os acadêmicos quanto para a comunidade uma compreensão mais completa e complexa sobre os papéis que cada elemento exerce no meio social em questão. A Educação Popular, tão difundida hoje como metodologia de superação das estruturas, é tida como pilar de sustentação de um processo horizontal entre Universidade e Comunidade. A metodologia proposta tem como fim a construção da criticidade a partir dos processos vivenciados e cientificizados no cotidiano. “É preciso, pois, construir “com” e não “na” comunidade” (FREIRE, 1996).

PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL

A partir do diagnóstico do modo de produção vigente, estudam-se novas possibilidades de desenvolvimento econômico capazes de atender as necessidades internas e externas considerando as potencialidades da comunidade. Integrando ações e buscando uma compreensão coletiva, é possível consolidar uma distribuição mais efetiva de renda e uma conscientização do modelo desenvolvimento sustentável. “Não seria possível pensar em mobilização sem que se pensasse ao mesmo tempo no processo organizativo dos atores como possíveis promotores dessa mobilização” (FALCÃO E ANDRADE, 2003)

ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-SOCIAL

Tal frase fundamenta a existência de um eixo específico para a organização político-social, como meio de alavancar o trabalho coletivo e individual das Comunidades. Através deste eixo, pode-se observar e auxiliar na construção de organismos intermediários da Sociedade Civil, condutores do processo de participação da população, quer na luta por políticas públicas efetivas, quer na condução e efetivação do Controle Social. Observa-se a necessidade premente de ampliar estes mecanismos de participação popular e formar indivíduos com capacidade de entender a realidade que os cerca como meio necessário à consolidação de uma proposta auto-gestionável na localidade.

CULTURA

O eixo cultural aparece como articulador dos demais supracitados, pois é inegável que a apropriação do conhecimento por parte das comunidades, e a construção histórica de suas identidades são questões essenciais para a compreensão do universo das relações sócio-políticas e econômicas que permeiam qualquer espaço geográfico.

Estas relações estão inseridas num contexto maior em que a comunidade está inserida, gerando uma lógica, consciente ou inconscientemente, de reprodução, exclusão e desmobilização. É primordial que esse panorama cultural fique bem claro, para que os outros eixos de atuação sejam trabalhados concomitantemente. O isolamento de qualquer eixo, principalmente o cultural, acarretaria numa desarmonia do processo de mobilização coletiva e individual proposto, haja vista a preocupação com o rompimento e avanço na perspectiva de vencer essa lógica de desmobilização característica do mundo moderno. Para consecução da Metodologia, é necessário também o trabalho com as demandas que surgem de forma espontânea na própria comunidade. Tais demandas, sempre circundam os eixos de atuação da Metodologia e facilitam o diálogo inicial dos atores sociais envolvidos com a Academia.

Tendo o Estado como o responsável pelas políticas públicas de desenvolvimento da sociedade, um Mercado menos agressivo que reflita sobre o processo produtivo sem esquecer da sustentabilidade, e a Sociedade Civil como o real espaço de articulação e organização das iniciativas, chegamos a uma nova concepção paradigmática para a promoção humana.

Ao pressionar o Estado na consecução de seus fins institucionais, tornando-se sujeito ativo de processos de participação na gestão e controle social, a Sociedade Civil Organizada toma para si uma ampliada gama de funções, que fundamentam mecanismos de democracia participativa. Para além desse fato, a compreensão da realidade no diálogo da Universidade com a Comunidade torna possível uma quebra de paradigmas institucionais em que o estudante se sente participante de um processo com transformações internas e externas, ao passo que fundamentam uma nova forma de pensar e organizar o processo de organização e

Sistematização da própria extensão universitária.

Resultados e discussões

A partir do processo interativo com as ações extensionistas e das experiências desenvolvidas pelo Programa Interdisciplinar de ação Comunitária iniciado no ano de 1990, A Met-MOCI transformou-se no marco teórico de diversos projetos em âmbito nacional, p. ex.: Jornexu (Jornada Nacional de Extensão Universitária) é o resultado de experiências vivenciadas por estudantes universitários das mais diversas áreas do conhecimento através de Estágios de vivência em Comunidades (colônias de pescadores, assentamentos rurais, localidades periféricas, aldeias indígenas) no Estado da Paraíba. Estrutura-se na articulação dos atores sociais envolvidos com os acadêmicos, propiciando, portanto, uma interação do olhar crítico e a transdisciplinaridade.

A presença dos universitários fomentou a discussão dos problemas com a comunidade, sempre atestando o valor da troca de experiências, e identificando dia após dia novos caminhos e apontando soluções. Os participantes do projeto sentiram-se mais interessados em difundir os estágios de vivências na suas localidades, tornando-se multiplicadores de uma nova concepção da realidade, construindo uma extensão universitária preocupada com as demandas sociais e com o protagonismo da comunidade.

Para além de uma Metodologia que traga resultados meramente acadêmicos, uma vez que, um dos seus objetivos é a promoção humana, existem também resultados concretos da aplicação da Met-MOCI nas comunidades envolvidas, das quais destacamos como exemplo os resultados obtidos na comunidade de Costinha (município de Lucena, Litoral Norte da Paraíba) que vivia exclusivamente da pesca predatória da baleia, comandados por um grupo de Japoneses que explorava a indústria de pesca.

Quando, em 1985 por um decreto lei, houve a proibição da pesca da baleia a comunidade ficou sem alternativa de sobrevivência. A partir desse momento, um grupo de extensionistas e técnicos da UFPB foram contatados, a fim de realizarem um trabalho nesta comunidade que pudesse apresentar aos moradores de costinha, novas alternativas de sobrevivência. A equipe da UFPB enfrentou sérios problemas, pois para a comunidade, os extensionistas não passavam de um grupo de ecologistas que queriam usurpar o único meio de sustento da comunidade. Fez-se necessário encontrar um meio de inserção na comunidade e, então, percebeu-se que era através do eixo cultural (eixo aglutinador dos quatro outros eixos, eixo produtivo, eixo formativo, eixo de atenção à saúde e eixo organizativo), que a equipe da UFPB conseguiu alcançar o objetivo de mostrar a comunidade os seus potenciais e novas perspectivas de sobrevivência. A experiência de Costinha contribuiu para o nascimento do próprio Met -MOCI, pois a partir do trabalho lá realizado “nasceram” os eixos que balizam essa metodologia.

A comunidade de costinha foi contemplada com um projeto financiado pela Visão Mundial que garantiu aos moradores dessa comunidade equipamentos de pesca, tais como: barcos, redes de pesca e freezer. Hoje, podemos perceber o desenvolvimento da comunidade, e a melhoria nas condições de vida de seus moradores que se encontram organizados politicamente e independentes. As casas que antes eram de pau-a-pique, hoje são todas de alvenaria, não existem mais problemas de transporte devido à implantação de uma balsa que liga a ilha de Costinha ao porto de Cabedelo – PB, e que levou o turismo àquela comunidade. Desse modo, a comunidade conseguiu se reerguer da crise causada pela suspensão da pesca da baleia, valorizando o turismo na região, fazendo uso da pesca não predatória, investindo na criação de camarões e ostras.

O Estágio Nacional de Extensão em Comunidades (ENEC) trabalha numa perspectiva diferenciada à inserção de universitários na realidade social predominante em nosso país, promovendo uma interação dos saberes científico e popular, instrumento fundamental para a transformação social. Os resultados são no sentido do estudante se reconhecer como ator social, se envolver com as lutas coletivas dentro de cada entidade existente em cada localidade, torna-se agente transformador dentro e fora da comunidade, além de uma conscientização junto às pessoas envolvidas no projeto, quanto aos seus direitos e deveres como cidadãos, e os compromissos que cada um deve assumir consigo e com o coletivo. Nessa perspectiva, se trabalha para que os acadêmicos deixem de ter uma visão exclusivamente tecnicista, e passem a perceber o homem inserido em um contexto político, econômico e social, o qual é permeado pela cultura, aspecto fundamental que deve ser valorizado e respeitado. Seja numa perspectiva temporária, característica da JORNEXU, seja na visão continuada presente do ENEC, a Metodologia para Mobilização Coletiva e Individual se mostra como o instrumento teórico-metodológico de maior importância na consecução dos fins a que se dispõem os projetos supramencionados. Isto porque a Met-MOCI apresenta um caráter instrumental e dinâmico, que o aponta como mecanismo multifuncional de aplicação e apreensão da realidade, seja em Estágios de Vivências seja em Programas institucionais de fomento e desenvolvimento social que tenham como objetivo final a mudança da realidade e emancipação social.

As experiências da metodologia já se mostram consolidadas, de tal forma que foi publicado em 2002 o livro: Metodologia para mobilização coletiva e individual (Met-MOCI), de Falcão & Andrade, que apresenta dentre outros temas a possibilidade de análise complexa da realidade através da extensão universitária e relatos de vivências das pessoas envolvidas em comunidades destinatárias do mesmo.

Foram realizados diversos Estágios de Vivência em comunidade propostos pelas executivas de curso, sobretudo da área de Saúde, com a finalidade de aproximar a realidade dos estudantes envolvidos no Movimento Estudantil, utilizando a Metodologia sempre no instrumento: capacitação, vivência e troca de experiências, próprio da JORNEXU.

Conclusão

Propondo um modelo de Extensão Universitária com a prática em Educação Popular, que horizontaliza o diálogo Universidade – Comunidade, observa-se uma provocação, uma inquietude a cerca do papel social das Universidades, sobretudo, das Universidades Públicas Brasileiras repensando, pois, o mecanismo de apropriação do conhecimento sobre novos moldes:

É preciso repensar a Universidade, o papel do Estado como promotor de políticas públicas, e o papel da comunidade destinatária como protagonista de suas transformações, portanto, são “velhas” novas funções destes entes que se busca efetivar.

A Met-MOCI aparece nesse cenário complexo de propositura ativa de novas alternativas para a discussão, sistematização, avaliação e aplicação da Extensão Universitária, como novo modelo de compreensão da realidade Universitária e Social concretizando o laço ensino-pesquisa-extensão.

No enfoque acadêmico, a metodologia torna possível uma discussão plena da Universidade, incentivando o debate crítico, o papel dialógico necessário com a Sociedade, além da responsabilização e compromissos com a mudança dos paradigmas instaurados no atual modelo Universitário. Partindo da Universidade que temos, construindo a Universidade que almejamos.

As comunidades destinatárias da metodologia são imbuídas no espírito de formação cidadã, que propicia um “sentir-se homem”, por conseguinte sujeito de direitos. Nesta formação são trazidas temáticas até então novas no contexto social, como a discussão do pensamento complexo, presente nos eixos de atuação: Produtivo, Organizativo, Educação, Saúde e Cultura.

Como está previsto, existe uma instrumentalidade e dinamicidade na apropriação e aplicação desta metodologia, haja vista a intenção se multiplicar nos diversos projetos e programas de extensão universitária, o que trás a perspectiva de uma nova avaliação e sistematização da extensão a partir dos moldes propostos na própria execução da Metodologia.

A forma como se apresenta, respeitando o saber científico e popular, bem como sua perspectiva problematizadora, diagnosticando as demandas que geram mobilização coletiva e individual (processos, ressalte-se, inseparáveis), comprovam a sua eficácia para desenvolver uma nova visão sobre como articular e sistematizar a Extensão Universitária, propondo novas metodologias, que são modelos de apreensão da realidade político-social, nunca se negando a observar os dados concretos que tornam possível a modificação e melhoramento das formas de interação entre Universidade e Sociedade.

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